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segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Oposto





     Noel Olhos Negros e Noel Olhos Claros jaziam em pé ao lado duma árvore natalina de um jardim qualquer. O majestoso trenó e as belas renas de Olhos Claros estavam ao seu lado esquerdo, assim como o trenó enegrecido e arranhado atrelado às renas negras com grandes cabeças de chacal se encontravam do lado direito de Olhos Negros.
     Olhos Claros tirou uma ampulheta do bolso de sua calça vermelha.
     - A hora se aproxima, oposto – disse e seus olhos totalmente brancos, sem íris ou pupila, brilharam intensamente.
     Olhos Negros olhou através de neve que caia ininterrupta para a bela lua cheia que se escondia parcialmente entre as nuvens.
     - Antes de começarmos, precisamos combinar as regras, meu oposto – disse Olhos Negros.
     Já se passava das onze horas da noite, as famílias esperavam pacientemente a chegada do natal. Um mendigo empurrava com dificuldade um carrinho de supermercado cheio de lixo reciclável pela neve espessa, todos estavam confortáveis em suas casas e o pobre velho desabrigado padecia na nevasca. O homem cometeu o pior dos erros de sua vida quando simplesmente, com a visão enfraquecida pelos anos difíceis, olhou para o lado, para o jardim de uma grande casa, onde dois velhos gordos vestidos de Papai Noel se encontravam ao lado de dois trenós, um com belas e renas e o outro... com demônios horrendos.
     Ele gritou e imediatamente o Papai Noel da esquerda se virou para ele com seus olhos totalmente negros, a expressão em seu rosto era de ódio. Uma brisa gelada passou pelas costas do mendigo. Olhos Negros se aproximava dele com a boca aberta num sorriso demoníaco cheio de presas pontudas e negras, seu andar era metódico, mas ele parecia que estava se segurando para não correr em direção ao pobre homem. Incrivelmente seus pés não se afundavam na neve alta.
     As renas negras com cabeça de chacal rosnavam para o mendigo, Olhos Negros, com sua roupa vermelha impecável de Papai Noel, levantou suas mãos e atacou o rosto do homem com suas grandes e afiadas unhas de navalha. Olhos Negros limpou o sangue que lhe escorria pela mão e voltou para o lado de seu oposto.
     - Noel Olhos Claros – começou ele, - vamos combinar o seguinte: eu não o importunarei enquanto estiver distribuindo seus presentes e fazendo as suas tediosas boas ações e você me deixará em paz para que eu possa fazer o meu trabalho. Certo?
     - Mas há uma condição – Olhos Claros olhou mais uma vez para a ampulheta, - você deverá permanecer o mais longe de mim possível, ou seja, na face do planeta oposta a que eu estiver.
     Noel Olhos Claros pulou em seu trenó reclinando as costas no saco de presentes, alçou voou e esperou que as renas o levassem para onde ele fosse útil. Olhos Negros deixou o único de seus Demônios Renas que possuía três olhos, e esse terceiro era vermelho e grande, comer o cadáver do mendigo que a pouco respirava por ali.
X – X – X
     Olhos Claros entrou feliz num hospital, alegremente curando de seus martírios todos que com sua mão tocava, distribuía balas nutritivas para as crianças que saiam de dentro de suas casas para vê-lo e dava-lhes os presentes que queriam.
X – X - X
     Olhos Negros escalou até a janela do segundo andar de uma casa grande, abriu-a e pulou no quarto duma menina de oito anos.
     - Papai Noel! – disse ela em sua ignorância de infância, deixando que a felicidade de ver o bom velhinho fosse maior que o medo que sentia de seus olhos. Ela estava acordada esperando pela vinda dele.
     - Trouxe um presente muito legal para você, menininha – disse ele com um sorriso de boca fechada.
     Olhos Negros pegou uma granada do bolso de sua calça, tirou o pino e colocou na mão dela.
     - Isso é muito divertido – contou ele, já não mais aguentando segurar o riso de satisfação. – Quando você joga esse brinquedo no chão, acontece uma coisa muito legal! Vá mostrar para seus pais. Ela correu porta afora e pelo corredor caminhou até o quarto onde seus pais dormiam, já que não se importavam com o natal e não se deram ao trabalho de ficar atentos ao relógio dar meia-noite.
     Olhos Negros saltou janela afora rapidamente e voltou para o seu tenebroso transporte.
X – X – X
     Olhos Claros levou alimento e roupas quentes para todos os necessitados da cidade em que se encontrava no momento, conversou e contou piadas a pessoas que passavam a noite natalina sonzinhas e tristes em suas casas, fez a alegria de órfãos com seus maravilhosos presentes.
X – X – X
     Olhos Negros estava num Shopping, junto com vários outros velhinhos rechonchudos ou pessoas que assim se fantasiavam. Ele se sentou numa cadeira e as crianças faziam fila para conversar com ele.
     - Papai Noel – disse um garoto sentado em seu colo, - quero um carrinho de controle remoto de presente nesse natal, tá?
     - Tudo bem – disse Olhos Negros. – Ele estará em sua casa quando acordar amanhã.
     - Obrigado, Papai Noel – agradeceu.
     - Não há de que – disse ele. – Tome a sua balinha, coma, é muito gostosa.
     O garoto tirou a embalagem da bala, pôs na boca, sorriu e desceu do colo de Olhos Negros.
     - Curta suas últimas três horas de existência e não se esqueça de ingerir a bala toda.
     O garoto assentiu com um gesto de cabeça e pela primeira vez olhou diretamente nos olhos do Papai Noel, então correu para junto de sua mãe.
X – X – X
     Todo o dia e noite de natal passou, era seis da manhã do dia 26 de dezembro e os noticiários estavam cheios de noticias sobre milhares de pessoas que acordaram curadas de doenças terminais e necessitados que receberam generosas doações, além de algumas outras sobre mortes sem explicação, explosões e envenenamentos cujos culpados não foram identificados e nem ao menos deixaram pistas.
     Pessoas davam depoimentos dizendo que tinham visto o Papai Noel em seu luxuoso trenó voador e outras falando sobre demônios assassino que comeram seus filhos.
     Matthew estava assistindo à televisão ainda sonolento e entre um bocejo e outro disse:
     - Todo ano é mesma coisa – se levantou do sofá onde havia passado a noite e foi preparar o café da manha.